São Paulo – Passarinhos cantando numa manhã de domingo. O barulhinho da chuva na hora de dormir. As buzinas insistentes que tornam o trânsito ainda mais desagradável. Estejamos ou não conscientes, vivemos imersos numa partitura sonora que influi positiva ou negativamente em nossa saúde física, mental e emocional.
Se não podemos controlar os ritmos externos que desarmonizam a vida, a boa notícia é que existem terapias que tiram partido de acordes agradáveis para nos devolver o bem-estar.
“É possível tratar dores, aliviar o estresse e a ansiedade, restabelecer o equilíbrio do sistema endócrino, melhorar as dores de cabeça e ainda equilibrar e limpar os centros energéticos do corpo por meio do som”, afirma o musicoterapeuta Diogo Camargo, de São Paulo. “Instrumentos específicos, como taças tibetanas, tingshas, gongos e mesa lira, entre outros, possuem uma variedade de harmônicos [sons simultâneos com base em uma nota musical fundamental, mais intensa] que são capazes de massagear cada célula do nosso corpo”, completa.
No livro Emotion and Meaning in Music (sem tradução brasileira), Leonard B. Meyer, americano estudioso do tema, parte do pressuposto da física quântica de que toda matéria estaria em constante vibração para explicar por que determinados tipos de som podem nos beneficiar. Segundo ele, se tudo o que vibra possui uma frequência – número de oscilações por segundo –, cada órgão do nosso organismo possuiria a sua. Ao emitir o som de um instrumento com essa mesma frequência, ondas sonoras e células entrariam em ressonância, reverberando um estado de saúde por todo o organismo.
Da mesma forma, seria possível descobrir áreas doentes do corpo. “Por exemplo, quando manipulo o instrumento tingsha, que tem o toque de um sino, o órgão que está sendo trabalhado reage aos padrões de compressão e dilatação causados pelas ondas sonoras. Se há algo errado, a frequência é alterada, e os harmônicos oscilam”, explica o terapeuta sonoro paulistano Peterson Menezes.
Utilizar o som como ferramenta para promover a saúde e o bem-estar é uma prática antiga. Por volta de 340 a.C., Alexandre, o Grande, costumava deitarse ouvindo a lira para dissipar o estresse das batalhas. Na cultura helenística, na mesma época, a flauta era usada para atenuar a dor ciática e a gota.
Na Bíblia, o Velho Testamento conta que, quando Davi tocava sua harpa, a depressão do rei Saul se esvaía. Se os exemplos históricos não convencem os céticos, alguns estudos dão sustância à ideia de que o som pode ser um poderoso aliado. Em 1787, o físico alemão Ernst Chladni provou que, submetidos às ondas acústicas de um arco de violino, grãos de areia formavam imagens harmônicas ou caóticas, dependendo da altura da nota a que eram submetidos. O médico, físico e músico alemão Hans Jenny fez uma experiência parecida em 1960. Ele fotografou tipos de pó, semissólidos (como mercúrio) e líquidos sob a influência de sons distintos. As mesmas imagens – geométricas e cheias de beleza ou feias e assimétricas – apareceram, dependendo, entre outros fatores, da frequência do som emitido.
O fato de sermos compostos de cerca de 70% de água nos torna privilegiados para receber os benefícios das ondas sonoras, pois elas se propagam em meio líquido. Não basta, porém, comprar os instrumentos e manipulá-los a esmo para se obter os efeitos terapêuticos. Para isso acontecer, é necessário um toque na frequência, no ritmo, no volume, na altura e na intensidade adequados à parte do corpo que se quer trabalhar.
Os terapeutas costumam consultar tabelas como a védica, a indiana e ainda outras para checar essas informações. “Ainda assim, não é uma ciência exata”, afirma o educador musical e terapeuta Marcelo Petraglia, da capital paulista. “Cada pessoa tem uma memória sonoraemocional própria. O terapeuta precisa estudá-la, conversando com o paciente ou submetendo-o a questionários para só então fazer um tratamento personalizado. Com base nisso, ele descobrirá os instrumentos e as formas de tocá-los mais apropriadas a cada caso”, completa.
Banho de gongo
Há indícios da existência do gongo – cujas propriedades revigorantes o tornam um dos mais estimados entre os terapeutas sonoros – desde a Idade do Bronze, por volta de 3 300 a.C. “A frequência da sua onda sonora costuma ser bem espaçada. Isso lhe confere o poder de reverberar dentro das células, limpando o corpo de padrões vibratórios negativos”, afirma Peterson Menezes, um dos poucos brasileiros a fabricar o instrumento em grandes dimensões (acima de 80 cm).
Ao contrário do que os filmes de artes marciais nos levam a crer, no entanto, o volume de um gongo não é necessariamente alto. Ele se parece mais com um vento, com um som em cascata. “A frequência depende também do seu tamanho. Cada nota age numa estrutura do corpo humano, e a forma como se toca e por quanto tempo variam de acordo com o objetivo terapêutico”, completa Peterson.
O chamado banho de gongo seria justamente a imersão nas ondas sonoras do instrumento, indicadas para fortalecer o sistema nervoso e atuar no alívio de doenças como a depressão e a síndrome do pânico. O paciente pode tanto ficar de pé na frente do instrumento, como de costas para ele ou deitado. Maria Regina Quintino, aposentada, 60 anos, faz análise para se tratar da depressão, mas complementa o tratamento com a terapia sonora: “Estou tomando o banho há seis meses, a cada quinze dias. Venho me sentindo mais leve e com mais pensamentos positivos”, relata.
Outra experiência singular é participar de um concerto meditativo coletivo. O terapeuta sonoro Daniel Ramam, do Rio de Janeiro, explica: “Os pacientes ficam deitados e recebem as ondas sonoras de taças tibetanas, gongos, taças de cristal, didgeridoo, entre outros. As vibrações circulam entre as pessoas, gerando um ambiente de saúde e harmonia”.
Mesa Lira
A delicadeza da mesa lira, no spa Unique Garden, no interior de São Paulo, emociona os pacientes.
Mais conhecida pela expressão em inglês, monochord table, a mesa lira é uma grande caixa de ressonância (sobre a qual é possível deitar-se) suspensa por pés de madeira e embaixo da qual existem 42 cordas de aço afinadas, na maioria dos casos, em ré (os terapeutas costumam preferir a nota por ter uma tonalidade grave e criar várias notas afins harmônicas). Sua origem é controversa.
Alguns acreditam que ela seja parente do instrumento monocórdio, inventado, segundo alguns estudiosos, pelo matemático Pitágoras por volta de 500 a.C. Outros discordam do parentesco e creditam tanto a criação da mesa quanto o seu desenvolvimento para propósitos terapêuticos ao musicoterapeuta suíço Joachim Marz, nos anos 1980.
O que é unânime, porém, entre os terapeutas do som é o potencial do instrumento para desbloquear tensões, realinhar os centros de energia do corpo e atuar nos sistemas metabólico e neurossensorial. “As muitas cordas afinadas no mesmo tom formam um especial e poderoso campo de harmônicos, que vibra frequências benéficas para todo o organismo”, conta o terapeuta Marcelo Petraglia, que introduziu a terapia com a mesa lira no Brasil em 2002.
“Outro benefício da mesa é que, como o paciente fica deitado sobre ela, os sons atravessam o corpo inteiro e passeiam pela coluna vertebral, distribuindo-se de forma equânime”, afirma o musicoterapeuta Diogo Camargo. O dentista Sérgio Fernandes, 43 anos, experimentou outras terapias sonoras, mas só na mesa lira encontrou alívio para as dores de cabeça: “O som é bastante forte e poderoso. Percorre a espinha dorsal de cima a baixo. Depois de quatro meses de terapia, consegui, enfim, me livrar dos analgésicos”.
Taças tibetanas
Também conhecidas como campainhas tibetanas, as taças de cobre levam ao relaxamento profundo.
Acredita-se que a prática terapêutica com taças tibetanas (vasilhames semelhantes a cuias) tem origem na cultura xamanista Bön, na Idade do Bronze. Esse povo vivia na região dos Himalaias e empregava os sons das taças, compostas predominantemente de cobre, para promover a saúde da comunidade.
“O propósito da terapia é fazer o paciente relaxar e, assim, despertar o poder autocurativo do corpo”, afirma a terapeuta sonora Regina Santos, do Rio de Janeiro. As vibrações produzidas pelo instrumento induzem o paciente a estados alterados de consciência, onde se geram ondas alfa e teta. Essas ondas são formadas naturalmente pelo cérebro quando estamos relaxados, em meditação, ou em sono superficial, respectivamente.
Os tipos e os tamanhos das taças variam de acordo com o método de trabalho utilizado pelo terapeuta. Na metodologia desenvolvida pelo engenheiro e pedagogo alemão Peter Hess – depois de realizar investigações biofísicas com monges no Nepal e na Índia, nos anos 1960 –, são três peças principais: a taça da bacia (29 cm de diâmetro), indicada para o tratamento de abdome, baixo-ventre, costas e quadris; a taça do coração (17 cm), para pescoço, coração e cabeça; e a taça universal (21 cm), recomendada para os membros e as articulações. Durante a massagem, enquanto o paciente está deitado, o terapeuta tanto pode mover e tocar as taças no ar, por cima do corpo dele, ou posicioná-las na área a ser trabalhada.
A pedagoga Fernanda Casilaro, 36 anos, é adepta do tratamento há três anos. “Eu sentia muitas dores na coluna, mas os exames pedidos pelo fisioterapeuta não apontavam nada. Com a massagem das taças, as dores sumiram. Acho que elas eram resultado do estresse e que eu só precisava relaxar e harmonizar as energias do corpo para me livrar delas”, conta.
Em sua tese de doutorado, finalizada em 2006, a pesquisadora alemã Christina Koller acompanhou 201 pessoas, com idades entre 21 e 78 anos, na Alemanha, na Suíça e na Áustria, que se submeteram a cinco massagens sonoras com as taças tibetanas, no período de uma semana. Ela aplicou questionários para medir a saúde física, mental e emocional dos participantes antes e depois de serem submetidos à terapia. Chegou à conclusão de que as pessoas obtiveram benefícios como diminuição do estresse e reforço de uma imagem corporal positiva. E mais ainda: ao aplicar os questionários cinco semanas após o tratamento, confirmou que os pacientes haviam mantido esses benefícios. Pode-se dizer que a paz se mantém para além da prazerosa hora ou hora e meia (dependendo da técnica empregada) de som-terapia.
Sequência de exercícios para manter a tranquilidade
Preparação: Sente-se confortavelmente, com os joelhos separados e a coluna ereta. Inspire e expire profundamente. Duração: 3 min.
Exercício 1: Ao inspirar e expirar, preste atenção ao som da passagem do ar pelas narinas. Se não for possível ouvi-lo, respire de forma um pouco mais forte, mas não por muito tempo. A ideia é perceber o som da sua respiração natural. Duração: 10 min.
Exercício 2: Com a boca fechada, busque relaxar a garganta, expandindo-a. Na hora de inspirar e expirar, faça o ar friccioná-la. Esse movimento provoca um som parecido com o de uma onda no mar. Você deve se concentrar nesse som e voltar a ele pacientemente toda vez que a sua mente se distrair com pensamentos. Duração: 3 min.
Exercício 3: Concentre-se nos sons do ambiente. Procure ouvir os mais próximos (o vento que entra pela janela, por exemplo) e os mais distantes (sons de pássaros, movimentos da rua etc.). Tente não formar julgamentos sobre esses sons, se são bons ou ruins. Apenas sinta-os e permaneça concentrado no presente. Duração: 10 min.
Exercício 4: Com o corpo relaxado e a coluna ereta, concentre a sua atenção na região peitoral até começar a ouvir as batidas do coração. Ouça-as com serenidade e atenção. Duração: 3 min. exercício 5: Inspire profundamente, enchendo primeiro a barriga com o ar, depois o tórax e, por último, a região dos ombros. Abra bem o maxilar e solte o ar emitindo o som do mantra “Om” até a barriga se esvaziar. Procure vocalizar a mesma quantidade de O e de M. Duração: nove repetições.
Fonte: Revista Exame