Imagine que está em um bar com vários amigos e, por coincidência, todos param de falar e rir ao mesmo tempo. Por segundos, é só silêncio. A situação certamente causaria algum constrangimento e provavelmente alguém na mesa acabaria dizendo uma frase ou piadinha apenas para quebrar o gelo.

Sim, o silêncio é intimidador, e a maioria das pessoas não está preparada para enfrentá-lo. Uma pena, afinal, ele é necessário para a saúde da mente e pode fazer um trabalho e tanto no caminho do autoconhecimento.

Prazer em conhecer

Em uma sociedade movida pelo barulho – buzinas, computadores, música, obras, celulares, televisão – silenciar é um verdadeiro desafio. Até porque todos esses ruídos já foram incorporados ao dia a dia e, na ausência deles, é comum sentir uma espécie de desamparo.“Isso acontece porque o som está relacionado à ideia de produtividade, alegria, vida. Além disso, a ausência dos estímulos sonoros pode evidenciar coisas que num primeiro momento são dolorosas”, observa Andréa Bomfim Perdigão, fonoaudióloga, terapeuta corporal e autora do livro Sobre o Silêncio (Editora Pulso).

Mas, ainda segundo a profissional, quem persiste e consegue ultrapassar essa etapa sombria e complicada acaba vivenciando uma experiência muito positiva, que é sentir prazer de estar consigo, por inteiro.

“Embora num primeiro momento pareça difícil, o ser humano precisa do silêncio. Trata-se de um alimento para a alma. Ele abre espaço para os insights, desejos, sonhos e projetos.”

Onde ele se esconde

Se pensarmos bem, não existe silêncio total. Quem sai das grandes cidades em direção à praia ou ao campo somente troca os barulhos característicos de um lugar pelos de outro. Ainda assim, investir nesse tipo de mudança pode ser útil na busca por um contato com seu interior. Depois, o importante é compreender que para acessá-lo não é preciso fazer as malas e dar adeus ao marido, à esposa, aos amigos e aos filhos.

“Tudo, na verdade, depende da mente. Se alcançarmos um estado de tranquilidade, sons e ruídos serão apenas sons e ruídos”, diz a monja brasileira Coen Sensei, fundadora da Comunidade Zen Budista.

Para Marina Vasconcellos, psicóloga pela PUC-SP com especialização em psicodrama terapêutico pelo Instituto Sedes Sapientiae, a meditação pode ser muito útil no processo de busca por esse silêncio interno – praticado mesmo quando tudo em volta é barulho.

“Mas é preciso treino e concentração, além de muita força de vontade”, salienta.

Quem não é muito fã de meditar, pode tentar outros caminhos para inserir o silêncio no dia a dia. Antes de dormir ou ao acordar, por exemplo, pode experimentar ficar deitado por cinco minutos na cama, apenas sentindo a própria respiração.

Outro bom momento para voltar as atenções para si é no trânsito, com o carro parado. Para isso, basta deixar o rádio desligado e sentir a vibração ao redor. Após o almoço, dar uma volta no quarteirão também é uma boa pedida.

“Doses homeopáticas de silêncio já ajudam a desacelerar. Com o tempo, é só esticar gradualmente esses períodos”, diz Andréa.

Blá-blá-blá

Para muitas pessoas, seguir as recomendações acima pode ser bem difícil. Isso porque somos estimulados a falar e dar opinião sobre os mais diversos temas o tempo todo.

“Em muitas ocasiões, o silêncio pode ser interpretado como uma falta de conteúdo e de posicionamento”, observa Mariana. O mais curioso é que justamente por causa dessa falação desenfreada muitas vezes as palavras acabam vazias de sentido.”

De acordo com a terapeuta corporal Andréa, “na conversa, o silêncio se faz necessário para que haja a comunicação. Sem ele, não é possível entender e pensar sobre aquilo que o outro está falando”. Isso sem contar que, ao dar valor demasiado às palavras, acabamos nos esquecendo de outras preciosas formas de interação, como um sorriso ou um simples olhar. Quando se dá atenção a sinais como esses, falar por falar é desnecessário.

Para observar isso na prática e aprender a apreciar o silêncio, há quem participe de retiros nos quais os participantes se empenham em passar horas ou até dias sem proferir uma palavra.

“Nos primeiros momentos, pode ser difícil. Depois, torna-se algo belo e gratificante. Descobrimos que podemos nos relacionar em perfeita harmonia quando não tentamos mentir a nós mesmos e aos outros por meio de palavras. Retiros de silêncio são um portal para um encontro com você. Afinal, é preciso conhecer sua própria essência”, ensina a monja Coen.

Minuto de silêncio

Depois de perceber todos os benefícios de acalmar a mente por alguns instantes, a publicitária Christina Carvalho Pinto, diretora da Full Jazz Propaganda, da capital paulista, decidiu criar em sua agência um programa chamado Just a Minute (em português, Só um Minuto), para estimular os funcionários a experimentar pequenos períodos de silêncio. Com duração de um minuto, a pausa acontece a cada hora e uma música bem calma é tocada para marcar o início da sessão.

Segundo a gestora de recursos humanos da Full Jazz, Thereza Cristina Garcia, a Teca, a maioria dos funcionários gosta e acha saudável. Alguns, por serem bem jovens e agitados, ainda estão se adaptando. Mas muitos já incorporaram a prática na rotina. Ao final do dia, Teca percebe que esses momentos realmente fazem diferença.

“Ficamos menos irritados e ansiosos”, conta.

Aprenda a silenciar

Não dá para negar que sons e ruídos são mensagens importantes. Segundo a monja Coen, muitas vezes a vida humana pode ser salva pela capacidade de ouvir. Sendo assim, é interessante buscar o silêncio interno sem que para isso seja preciso colocar tampões nos ouvidos.

“É extraordinariamente prazeroso, embora muitas vezes exija dedicação e prática incessante”, diz a monja.

Confira a seguir atividades que estimulam o silêncio

1. Pratique ioga. As aulas são dadas com os praticantes em silêncio, o que fomenta o autoconhecimento
2. Nade. Vá para dentro d’água e ouça o som da sua respiração, dos seus braços e das suas pernas. É uma aula que descansa a mente
3. Corra. Primeiro, surgem os pensamentos. Depois, que eles se aquietam, temos apenas os passos e a respiração
4. Escute música. Pode ser clássica, popular, rock n´roll etc. Ela ajuda a penetrar no silêncio da mente. Como? Apenas ouvindo. Preste atenção em cada nota, na sentença melódica e no som dos instrumentos. Só não vale cantar junto!

Fonte: Thaís Manarini, especial para o iG São Paulo